domingo, 8 de novembro de 2009

“ Estrangeirices I ” (Daniel Codespoti – 08/11/2009)




Cansado... Cansado de correr atrás do próprio rabo... De correr atrás de ideias e ideais, de sonhos, cansado de correr atrás de necessidades, de convenções, circunstâncias que sei que só vão me fazer sofrer... Cansado de discutir, de defender opiniões, cansado de ponderar as coisas, de certo e errado, cansado de apanhar, de bater... cansado de cansar... Sempre achei esse, um dos momentos mais críticos da existência... Onde tudo que um dia parecia fazer pelo menos algum sentido, não faz mais... Certezas cristalizadas se mostram tão frágeis quanto recém-nascidos... É curioso, pois “cansar” parece-me algo tão mimado, tão egoísta (e talvez seja), só que ao mesmo tempo, creio que é um direito de qualquer pessoa, seja qual for o motivo da “canseira”...

Me pego pensando... Não tenho leucemia, câncer, não tenho nenhuma deficiência, posso ir aonde quiser, fazer o que quiser a hora que quiser... Teoricamente, não há do que reclamar... Será mesmo? O fato de não sofrer com algo dos itens listados a cima, me proíbe de estar triste, ou em dúvida, ou cansado? Para as três ou quatro pessoas que acompanham essa coletânea de bobagens que ouso chamar de blog, não é novidade minha opinião sobre o gênero humano... Acho que o fato de, só as pessoas por convenção, “socialmente excluídas e ou injustiçadas” poderem reclamar e se sentirem cansadas, é mais um sintoma da síndrome de mártir que rege a cabeça tacanha de boa parte da sociedade... Muita gente só se contenta, só se sente completa se tiver uma vida de mártir... É o prazer com que enchem a boca pra dizer: “Nossa, trabalho feito um filho da puta, de oito a dez horas por dia, de segunda a sábado para ganhar um salário de merda que não dá nem pra pagar a faculdade ou um aluguel...” Aí a outra pessoa, automaticamente abre quase que um sorriso vitorioso e diz: “Ah, mas pelo menos, vc não tem um patrão cuzão e não tem que por comida na mesa para a criançada...” Incrível né? Quem sofre mais? Quem que se fode mais na vida? Quem é mais digno de pena? Porque tenho a nítida impressão que são esses fatores que separam as pessoas de bem e trabalhadoras, dos vagabundos, das más influências... Dos perdedores...

O que fode é que em nome do “sonho da casa própria”, do celular do momento, do tênis ou da roupa da moda, em nome da honra e dos méritos de ser socialmente bem-sucedido, as pessoas se sujeitam a empregos que só visam escravizar... E diga-se de passagem, é quase que a maioria esmagadora (das pessoas e dos empregos). E mais triste, mas não menos curioso, é que, no momento em que a ficha cai (isso quando cai né?) Ao invés de haver uma reavaliação de valores, objetivos, enfim, de tudo, ocorre um súbito surto de comodismo e medo, o que faz aparecer a tal “síndrome do mártir”... Coisas do tipo: “Ah, o mundo é assim mesmo... A vida é dura... O importante é ser digno e trabalhador...”

Lamento informar aos que ainda detinham alguma esperança com relação a minha pessoa... Mas permanecerei teimoso... Pode ser que isso me leve a um outro patamar intelectual e até mesmo financeiro, mas pode ser também que qualquer dia vocês vejam minha cara em alguma página policial ou encontrem meu carro embaixo de algum caminhão... Prefiro correr esse risco... E os incomodados que se mudem!!!





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quarta-feira, 6 de maio de 2009

Já conheço o final... - 06/05/09 -


Quantas vezes a história vai se repetir? Quantos finais assim ainda terei que assistir? Impotente, sem chance de reagir... Sem chances de lutar pelo que acredito, por quem acredito... Quantas noites mais sem dormir? Quantas garfadas de comida sem sentir o gosto? Quantas caminhadas rumo ao nada? Quantos litros de cerveja e quantos maços de cigarro são necessários para me punir? Para me consolar? Quantos conselhos ainda terei que ouvir? E quantos terei que calar? Quantos terei que engolir? Pensar que a vida está só começando as vezes me parece assustador... Ouço e vejo diariamente as pessoas se perdendo e se contradizendo nas próprias convicções e aí não posso falar nada porque vivi pouco... Só que ao mesmo tempo tenho a responsabilidade de assassinar um amor verdadeiro... Porque para isso já vivi muito...

Esta nada mais é do que uma história sem culpados e sem inocentes reais... Sem vítimas... Uma história com começo, meio e por mais que esteja difícil de aceitar isso... Que tem um fim... Um fim que já é um velho conhecido meu... Um fim aonde o preconceito prevalece... Aonde o medo prevalece... Aonde o egoísmo comanda... Aonde há conformismo... Um fim reacionário que me mostra realmente como sou fraco e pequeno... Um fim que me leva a cair novamente... Que me mostra como sou dramático, exagerado, sentimental... Me mostra como sou ridículo... Me mostra como as pessoas são ridículas... Todos perdidos em dúvidas, em atitudes impensadas em convicções duvidosas, em verdades absolutas... Distanciamento crítico é algo que se existe, está em extinção... Fui constantemente criticado por agir tendo me deixado levar pelas emoções, mas quando olho com calma... Todos fizeram de certa forma o mesmo...

O que sei que é bem real, é a dor que sinto... Há um desejo mórbido e doente que isso continue doendo... Que continue me matando aos poucos, me enfraquecendo... Talvez seja uma tentativa de fazer com que eu aprenda a lidar com tudo isso... Ou de repente seja apenas um sinal de desistência... Uma tendência a autodestruição... Sempre tem a opção de ser mais uma cilada dramática que faço para sentir pena de mim mesmo... Uma forma de instaurar toda minha mediocridade e exercitar uma autopiedade pífia, mesquinha...

Em contrapartida a tanta baboseira auto referencial, percebo que tudo isso nada mais é do que a tentativa de reprimir o sentimento mais puro e verdadeiro que já habitou essa pessoa de idéias perdidas e caóticas... Um amor que me fez atribuir um possível significado a tão gasta inocência, o significado real da tão surrada sinceridade... Um amor que me fez perceber que além de destruir, era possível construir... Me fez resgatar minha paciência perdida... Meu gosto por ensinar, meu gosto por aprender... Um amor que muitos julgam ser invenção da minha cabeça... Inconsequente... Um amor que poderia me destruir... Não ligo... Poderia me dilacerar... Ter que fazer com que esse sentimento adormeça, morra ou se transforme, é muito dolorido... Pode até ser necessário... Mas não é justo...

Em cada lugar que eu vou, sinto o seu cheiro, ouço sua voz... Em cada sorriso que vejo, identifico seu sorriso... Não há nada que eu faça q não me lembre... Não há nada que faça parar de doer... E não há nada que eu possa fazer para estarmos juntos... Eu a amo!!!

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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Estrada - 05/04/2009


O asfalto fumegava, o dia estava deslumbrante... Estava eu de passageiro, após longa data, em um caminho rumo ao meu desconhecido. O paradeiro real era certo, os motivos que me conduziriam a este destino, mais certos ainda... Não havia nada de apoteótico... Que bom... A companhia era formidável... Queridos amigos... Aos poucos a vida vai se encarregando de nos afastar. Resistimos bravamente... Somos muito diferentes uns dos outros... Que bom... Tudo foi muito simbólico... Foi muito agradável e especial... Rimos muito, voltamos a infância muitas vezes... Quando digo rumo ao meu desconhecido, não sei se tem muito a ver com a natureza do palpável. A Estrada me faz pensar,me faz observar. Tudo na Estrada tem uma cor diferente, um sabor diferente, um cheiro diferente... Sem dúvida, um dos meus clichês prediletos.

Tento recorrer a Estrada quando me vejo perdido... Me refugio em seu tempo peculiar em suas formas sinuosas e em caminhos que nunca conhecerei... A Estrada me assusta, impõe respeito e ao mesmo tempo me encoraja, me seduz. Decisões importantes, arrisco a dizer que até mesmo definitivas... A Estrada me alerta... “Cuidado, talvez você não aguente o tranco”... Sempre preferi a dúvida a certeza, pago um preço muito alto por isso... Estou preocupado... Quase não durmo, minha saúde se comporta de forma duvidosa, ajuda a instaurar o caos emocional... Minha profissão, caminha para a extinção, ou como alguns preferem chamar, para uma transformação... Palavra capciosa, ambígua demais até para um ser ambíguo como eu... Estou quase sempre cercado de pessoas incríveis e mesmo assim, bebo minha solidão em goladas afoitas... Nunca produzi tanto, nunca estive tão feliz com minhas criações, nunca me levei tão a sério. Mesmo assim, nunca me senti tão estranho, tão só. Por vezes uma tristeza cortante, profunda... Passiva. Não sei, é como se fugisse de mim mesmo, por mais incoerente que isso possa soar...

A Estrada me fala muito sobre isso! Sobre abdicar, sobre fugir, fugir de que? De quem? Foi perdido em elucubrações e especulações, enquanto a chuva agredia o solo quente, notei que a Estrada nos levava de volta para a vida, para casa... A Estrada me levava de volta para mim!

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quinta-feira, 19 de março de 2009

Já procurou ajuda? - 19/03/09 – 5:05



“Você já procurou ajuda?” Eles dizem... Se já procurei um médico... AHHAHA!!! Chega a ser ilário... Claro... Afinal eu preciso muito de ajuda... “Você devia procurar um emprego, devia fazer outra faculdade... Por que você não trabalha com informática? Olha, isso hoje em dia dá dinheiro...” Ah dá é? Não sabia... E dinheiro? Achei q desse em árvores, não sabia que nascia dos computadores... Que beleza hein, talvez por isso quase todo mundo tem um... Muito interessante.
“Você já procurou ajuda?”

“Ah, sim... O cara é mó figura... Vive doidão... Acho que nunca tinha te visto sóbrio antes... Sempre que eu te encontro você está bem louco... A essa hora já bêbado meu? O que? Não é já, é ainda? Nossa... Você precisa beber menos... Precisa pegar leve... HAHAHA ontem o vi lá no Pão de açúcar... Tava bêbado para variar, Nossa, acho que faz uns três meses que não te vejo sóbrio... O cara é mó figura.” “Você já procurou ajuda?”

“Poxa, gosto dele pra caramba”. Ah é? Gosta? Até que ponto? Defina para caramba... Me avisa para saber até onde eu posso ser eu mesmo... Vai dizendo até onde... Até meu vocabulário refinado, velho, engraçado? Até minha educação irreparável? Até meu cavalheirismo antiquado? Ahhh Sim, prolongo um pouco mais para a música... “Ahhh, tão bonito quando você toca e canta... Sua voz é tão agradável... Não agride, não fere os ouvidos”... Entendi... Poxa, realmente muito obrigado mas e a hora que eu começar beber? Ah, tá, um pouquinho pode, porque é socialmente né? Não tem problema... Ah não? Então não vai se incomodar se eu enxugar 3 garrafas de vodka vai? Ou então 2 de vinho, uma de tequila... Ah, aí não pode? Desculpe exagerei... e um “beckzinho” só uma pontinha, “berlozinho” não pega nada... Ah, não posso também? Poxa é contra a lei né? E um tiro? Poxa, um tiro é dá hora, suave... “carrerinha” opa!!! Olha o caminho de rato!!! Também não? Ué... O que houve? Não sou mais legal? Não sou mais “figuraça”? Não gosta mais de mim pra caramba? Não faço mais parte da família? Ah sim... Deve ser porque eu não tenho limites.

Sinceramente, não sei quais são os critérios que separam os “mocinhos” dos “bandidos”... Ahhh eu incentivo o tráfico, práticas ilegais e ou viciosas??? Eu?? Tem certeza? E o seu carro novo? E o seu óculos “alternativo”... E seu CD pirata... E seu “Nike Air”? E o futebolzinho do domingo? E o carnaval? Poxa... E o seu remedinho pra dormir, para emagrecer? E aquela droguinha q te deixa mais “UP”? Hein? Que tal? Aquela merda q te dão pra você ficar com a barriga daquele modelo lá... é... Como chama mesmo? Ah... Mas você não é modelo né? Porra foi mal, esqueci... Mas ok, certo... Não é desculpa né? E a virtude cristã? Ah não, cristã não... Tá meio “demodê”... Desculpe se faço tudo aquilo que sonha fazer, mas por medo, pelas convenções, pelo que está escrito, está sendo dito, está nas novelas, dentro da casa de cada um e principalmente, está consagrado por décadas e mais décadas de ignorância, você não faz... Não sou melhor do que ninguém... Só fiz escolhas diferentes...

Experimentem só por uma semana olhar ao redor... Não do umbigo e sim ao seu redor... Ah, vocês já fazem isso... Ah, tudo bem, me desculpem então... Sou eu que devo estar errado né... Afinal sou muito novo ainda né? Agora me esclarece aí vai... Sou muito novo e sonhador para entender dessas coisas... Mas não sou novo para trabalhar né? Não sou novo para fazer outra faculdade e colher notas de 100 que brotaram no monitor do meu desktop... Não sou novo o bastante para amar livremente, essa fase já passou, foda-se se não me deixaram vive-la ou se simplesmente não me avisaram que ela existia... Ah, vamos fazer uma cartilha bem bacana ensinando direitinho... Um manual... Aliás um tutorial, porque estamos na era do tutorial, ninguém sabe fazer nada, mas todos querem te ensinar a fazer algo...

Uma última coisa... Antes de me mandar PROCURAR ajuda... Por que que vocês não tentam ouvir... É... Não não... Não ME ouvir... Afinal falo muito mas não tenho muito a falar não é mesmo? Não sou experiente... Sou um chato... Eu digo ouvir no sentido mais objetivo da palavra... Eu digo OUVIR DIREITO, COM ATENÇÃO E NÃO SIMPLESMENTE FICAR ESPERANDO SUA VEZ DE FALAR!
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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

CAPÍTULO I - Quando Tudo Parecia Calmo - 13/02/09


A esta altura já não me lembro mais o dia... Já não me lembro mais a hora... Sei que foi ano passado... A vida parecia estar voltando ao seu lugar, ou simplesmente saindo de vez. Recomecei a viver em agosto. Tinha uma profissão novamente, um objetivo, um sonho, novas pessoas para amar, para admirar e até mesmo para odiar. Novas experiências me empurraram de encontro a um grande amor do passado... A boemia. Cheguei quase a me esquecer o quanto eu amava a noite... Seus ruídos, suas luzes, suas sombras, suas leis... A umidade, os bares, as bebidas... Das mais baratas as mais caras... Finalmente me sentia em casa novamente, me sentia forte, auto-confiante, como nunca antes... Finalmente me sentia progredindo de alguma forma. A voz mais judiada pelo álcool e pelo cigarro, os dedos mais calejados, a mente muito mais aberta e o coração lacrado, interditado.

Por entre noitadas avassaladoras, porres homéricos e minha dose constante de solidão, me acertava novamente com o mundo virtual... Encarava o que muito discriminei de forma positiva, pacífica... Talvez hipocrisia, talvez teimosia, talvez lucidez... Também, já não me interessa mais saber... O que tenho certeza é que quando tudo parecia calmo, uma foto voltou a mudar minha vida. “Terríveis” experiências amorosas haviam me colocado em um quase eterno “Stand By”... Tinha a pretensão de ter aprendido algo, de estar esperto para as armadilhas do coração! Bom... Velhos hábitos nunca mudam... E realmente, lá estava eu novamente, encantado por uma estranha.

A foto por si só era belíssima... Apesar da baixa qualidade e do foco ligeiramente comprometido, podia ficar olhando para aquela imagem por eras inteiras (aliás, não só podia como fiquei). Uma menina linda... Uma beleza diferente, intrigante, irreverente... Mas até então era só uma foto... Teoricamente inofensiva... Afinal toda aquela beleza estava enjaulada naquele momento para sempre. Foi quando descobri que ia conhecer a “protagonista” daquela imagem... Fui tomado por um misto de curiosidade e medo... Afinal sei como sou... Realmente havia uma grande possibilidade de eu ter me apaixonado perdidamente por aquela pessoa, sem sequer conhecê-la.

O dia finalmente chegou... Eis que entra por uma porta de vidro uma presença assustadoramente forte... Ao vislumbra-la já comecei a me odiar... Desde aquele momento eu tinha a certeza de que estava perdido... Cumprimentamo nos. Enigmática... Não deixava transparecer se era timidez ou reticência... Linda, simplesmente linda... Com minha inseparável taça de vinho, comecei a observa-la de longe... Após horas sem contato, em um determinado momento, quando proferi uma de minhas bobagens... Veio o sorriso... Não podia acreditar no que meus olhos estavam vendo... Aquela belíssima face se iluminou de uma forma única... Nunca havia visto nada parecido... Um charme natural... Espontaneidade... Inocência e malícia dividiam de forma democrática aquela silhueta... Lá ia eu de novo... Voltei para aquela tábua rasa que é a paixão... Estava completamente tomado por toda aquela situação.

Outros encontros esporádicos e ocasionais acabaram por eliminar toda e qualquer dúvida que eu poderia ter a respeito deste envolvimento... Lugares paradisíacos... Conversas surpreendentes... Personalidade forte, muita delicadeza, suavidade e carinho, todas estas qualidades protegidas por irreverência e rispidez... Por mais que eu brigasse contra, não havia jeito... Sabia que já tinha sido enfeitiçado por tantos atributos, por tantos mistérios, pelo desafio, pela dificuldade! Conversamos por horas a fio, sua risada, mais do que cativante... Uma pessoa que te olha nos olhos... Que tem o olhar quente... O dia já estava despontando e permanecíamos acordados... O assunto não terminava. As mãos se tocaram quase que acidentalmente e não se soltaram mais... os olhos se cruzaram e o assunto não terminava... fiquei horas decorando cada pedaço daquele rosto... Cada expressão... Descobri padrões maravilhosos... A timidez, por vezes, levava sua expressão a me enlouquecer... Quanto mais conhecia, mais queria conhecer, quanto mais olhava, mais queria olhar, quanto mais tocava, mais queria tocar... Lá estava meu coração aberto novamente... Lá estava eu pronto para sofrer novamente. As mãos muito macias, o toque, profundamente delicado. Por algumas horas fui agraciado com o toque de seu rosto em meu ombro e sua voz sonolenta... Um fio de voz, meio sussurrada meio falada... Nunca me esquecerei daquele timbre, o cansaço deixou com que fosse tomada por uma candura que acabou de me arrebatar. Não havia mais contra o que lutar... Meu sentimento já era claro... Não podia dizer diretamente, ser sincero... Logo, tentei dar o recado através do tato... Temendo por minha ousadia e até mesmo falta de cavalheirismo, tomei uma de suas mãos e comecei acaricia-la... Acho que eu não precisava de mais nada... Poderia ficar daquele jeito para sempre... Pela primeira vez em 10 anos, me sentia puro e sincero. Estava amando de novo.


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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Volume I - O Estrangeiro - 12/2007


INTRODUÇÃO

Dedico a muitos Estrangeiros e especialmente a ti Estrangeira...
Dizem q ela já amou... Alguém que a conhecia de eras não tão remotas arriscou a
suposição... Misteriosa, palavras contundentes, atordoantes... Sintonizava uma freqüência ocular
melancólica... Seu amor não havia morrido de véspera... Tinha sido vítima da ingratidão, mas não
conseguia odiar, amava ainda mais... Enlouquecia trancada na masmorra pálida do silêncio...
Amava muito... Doía demais. Alimentava-se de irracionalidade... Melancolia e solidão. Cercada por
pessoas que a faziam feliz, mas não a completavam, mergulhou em seu banquete de lembranças e
colocou-se a chorar... Uma única lágrima apertada, dolorida truncava em cada poro da face. Olhou
ao redor... Vislumbrou um estranho que não era tão estranho e pensou em chamá-lo a masmorra,
mas preferiu manter-se na escuridão úmida do calar... Teria que começar de novo, sabia que seria
muito difícil... Queria poder sentir aquele calor novamente, reciprocidade, carinho e afeto... Sem
dúvida uma das pedras mais carentes e valiosas que conheci...

O Estrangeiro I
Daniel Codespoti – 24/04/06

O Estrangeiro encontra-se mais uma vez solitário por entre copos usados, já opacos... As
primeiras horas da madrugada são as mais difíceis. A carência desembainha-se silenciosamente
cortando o ar de forma a tornar a existência dispensável. Pensa e repensa, revive situações que o
condenam a prisão perpétua das memórias. O parapeito da sanidade é feito de areia, equilibra-se
sobre outras pernas, alimenta-se da vida alheia.
Resta-lhe pouco, tão pouco quanto o tempo que viveu. A madrugada atinge seu ápice, O
Estrangeiro sabe que é hora de cair, sabe, pois faz parte de sua rotina notívaga... Sem perceber, as
lágrimas começam a ferir sua face, não são muitas, angustiantemente amargas, ignição do processo
de autodestruição.
Percebe e admite aos poucos a verdade que atravessa a fria madrugada agonizante... Muito
tempo se passou, é hora de morrer de novo... Morrer mais um pouco, parar de sentir, parar de se
revelar, mostrar-se menos estrangeiro...
Mostrar-se menos estrangeiro, mostrar-se menos estrangeiro.

O Estrangeiro II
Daniel Codespoti – 06/06

O Estrangeiro se flagra estranhamente sonolento. A pele morta, enrubescida pela lâmina sem
fio que limpa dez dias de reclusão. É gratificante notar que o resto das coisas não compartilha das
paranóias psicóticas do Estrangeiro.
O ódio trinca seus dentes, almeja por algum acontecimento da ordem do impossível. Sente
uma crise próxima, começa a roer as bochechas, as pálpebras escorrem por cima dos globos
maculados por escudos furados.

O Estrangeiro III
Daniel Codespoti

Contar o tempo é uma das heranças mais curiosas... O tempo do estrangeiro não passa em
horas, dias, anos... Pós-graduado na solidão paulista, é contado em goles.
Inflamam-se os tendões da justiça, falanges independentes ignoram ordens “superiores”...
Agora o Estrangeiro é alvo fácil, cadeira cativa na primeira classe no bico do corvo... Traga
o filtro de mais um amor impossível. Seduzido pela longevidade que a repetição lhe proporciona,
deixa-se levar mais uma vez de forma irresponsável e inconseqüente... Já ouvi isso antes...

O Estrangeiro IV
Daniel Codespoti - 19/10/06 – 04:03

Parece inquieto... Algo o afeta, finge ser alguma coisa ainda fresca em sua cabeça. Carrega
sua arma com alcatrão e malte... Entorta a realidade, deita-se displicentemente sobre um covil de
traidores... Implora pelo golpe de misericórdia... Recebe o açoite de braços abertos... O feitor bate
como um amador... Fisicamente não é nada para o Estrangeiro...
Ninguém pode ouvi-lo gritar... Ninguém quer ouvi-lo gritar... Tenta refugiar-se em alguma
parte de uma planície estéril por opção em um útero qualquer... O Carvalho possui a solução
temporária... Abraça mais um fantasma...
Nada nas linhas inimigas... O cancro evolui lentamente, não tem pressa... Copula com o hospedeiro, cada vez mais fundo, mais fundo... A água está fria... Escura... Imensa e hostil... A hipnose revela sexo, promiscuidade... Ritual... Tribo... Vamos todos encontrar nossas presas...
Finalmente volta do transe... Sangra por dentro... A pele é transparente... Está só
novamente... Todos se foram... Sabia que seria quase o fim e o quis mesmo assim... Estava tudo
acabado, o término de uma breve era de ásperas esperas.

O Estrangeiro V
Daniel Codespoti - 20/10/06 - 3:33

Parir não é uma questão meramente biológica... Muito menos afetiva... O Estrangeiro da à
luz ao seu Algoz... Não compreende a genética repetição e mistifica ainda mais o por vir...
É o rei das boas desculpas... Forja o primogênito para esconder o começo da cadeia. A
escrava sedenta, insinua-se para o capitão do mato, não há truques, ela quer sexo, se alimentar da
mácula milenar, não há pudor só instinto.
“Atrai olhares q não o interessam”, apaixona-se por qualquer um que lhe ofereça colo,
carinho atemporal... Crucifica todos seus amores em suásticas de marfim... Um bárbaro com um
requinte mórbido... Assiste ao sacro ofício pelo buraco da fechadura intra-uterina... Desperdiça
litros do elixir amaldiçoado, lacra o pequeno santuário.

O Estrangeiro VI
Daniel Codespoti - 06

O Estrangeiro, vaga com seus protetores por terras longínquas... Pensa q está a salvo... Sua
cabeça é habitada por um imenso conjunto vazio... Sente-se protegido, mas sabe que o inferno pode
se estabelecer em qualquer forma e em qualquer lugar.

O Estrangeiro VII
Daniel Codespoti – 31/10/06

Certa vez um estrangeiro me falou sobre busca... Busca pela busca... Parnasiano, porém
significativo... Aproveitava-se de um meio que não era seu canal... O transe deixava seu corpo...
Era como morrer todas as noites de brincadeira... Expandia como uma partícula fugaz do universo...
Intenso e irresponsável... Uma aula de como ser estrangeiro, de como não pertencer a nada e ao
mesmo tempo estar contido em tudo... Um “Big Bang” particular na existência humana... Anônimo
como a “entidade sexo”, eterno domador da percepção... Arriscava cada suspiro por uma nova fuga.

O Estrangeiro VIII
Daniel Codespoti – 10/11/06 – 01:51

O tempo passava e o Estrangeiro não parava de se surpreender com a quantidade de
estrangeiros que cruzavam seu caminho... Um cigano que carregava em sua trouxa algumas
toneladas de concreto armado até os dentes e um tarô cheio de clichês achados em uma era inocente
fez a abordagem. Uma fome estranha cerrava seus olhos e lhe devorava as mãos... O desejo por
uma pátria-ventre iniciava o processo obsessivo... O cigano chamado Espelho revelou a prata úmida

e manchada. Disse ao Estrangeiro que o mais difícil era não poder amar... “Só entenderá o idioma
quem for também Estrangeiro, caso contrário as horas mais irracionais reinarão e o que um dia foi
relíquia, sucumbirá em chamas e sangue”... O Estrangeiro sabia do que o tal cigano estava falando...
Já havia experimentado tal maldição; cada relíquia quebrada tornava o Estrangeiro mais estrangeiro.
Antes de deixá-lo, o cigano lhe ofereceu uma adaga e disse: “Sabes dela o que queres saber”...
Iconoclasta que só, o Estrangeiro a guardou em um buraco junto ao pulso esquerdo... A hora que se
voltou ao cigano se deparou com suas costas e preferiu não se despedir.

O Estrangeiro IX
Daniel Codespoti – 10/11/06

Certa vez... Em algum espaço perdido no tempo, o Estrangeiro sentiu a necessidade de
compartilhar... Talvez a única vez que pensou em sua condição como algo agregador e construtivo...
Convidou uma bela estranha a andar por os lugares que mais temia... Encantada e atônita lhe
perguntou docemente: “O que há aqui? Não vejo nada...” Foi nesse momento que o Estrangeiro
percebeu o mal que já estava feito...
“Aqui há o que você não está vendo: escuridão, solidão, medo, descrença, pretensão,
instinto, vontade, dilema, entre outras coisas... Desculpe-me de ter lhe trazido aqui”. Nesse instante
a estranha riu graciosamente e retrucou: “Desculpas? Imagina, é tudo tão fascinante, tão diferente...
tão universal... não há nada de mal aqui... é tudo perfeito, posso sentir”. Desesperado, o Estrangeiro
viu que não tinha volta e tentou novamente reiterar que havia sido um erro... Que ela não deveria
estar ali... Que era muito perigoso para a estranha. Sem resultado, ela irritou-se e disse que o
Estrangeiro não dava valor a tudo aquilo... Então depois de muita discussão ele se deu por vencido e
foi obrigado a se conformar... A estranha começou a se tornar Estrangeira... E ele, além de

Estrangeiro, criminoso...
O que há lá... Até hoje não sei... O Estrangeiro nunca quis me dizer... Tenho tanto medo em
saber quanto ele tem de me contar... O único contato que tenho tido com ele é através de uma frase
que ecoa em meus ouvidos: “Está na hora de irmos, não há mais tempo, só vontade... despeça-se...”.

O Estrangeiro X
Daniel Codespoti – 25/11/06

O último ritual se aproxima... Não tem nada de formal ou luxuoso... Cada vez mais
incrédulo, o Estrangeiro nem se perde mais nos próprios desertos. Cada grão de tristeza e ódio está
marcado e poderia ser reconhecido em qualquer imensidão terrestre, mesmo que isolada no recanto
mais informativo da existência.
Talvez isso tenha a ver com desistência... Talvez covardia, talvez coragem... A sarjeta mais
suja é o tapete vermelho do Estrangeiro... Suas pernas pesam e mal conseguem sustentar tanta
hipocrisia e displicência... Dentro de instantes não haverá mais mentiras a serem contadas, heróicas
histórias a serem narradas... A farsa se aproxima do ritual final... Arrasta-se com sofreguidão... Não
tem medo, sabe que é a única forma. Está prestes a deixar de fazer parte da história... Em pouco
tempo já nem sequer lembrarão do seu rosto, de quem foi e do que fez... Eras inteiras são traduzidas
em segundos na história do universo...
Finalmente chega a solo fértil... Prestes a macular o ventre mundial desvela a adaga de seu
pulso esquerdo... “Sabes dela o que queres saber”... O encontro com o fim é inevitável... Não há
filme da vida, não há culpa nem arrependimento... Há só escuridão, solidão... O Estrangeiro está
prestes a se libertar... Perde muito sangue e a adaga continua limpa... Intocada! A vista fica turva e
os joelhos o traem... Frio e sede... Frio e sede... Nunca sentiu tanto que estava vivo... Havia tempo

para poucas palavras quando o substituto chegou:
- Foi escolhido para ser Estrangeiro meu jovem... Cuidado... Ser é bem diferente de estar.
O jovem inexperiente beijou sua boca e lhe roubou o último suspiro... Estava tudo acabado.

O Estrangeiro XI
Daniel Codespoti – 11/12/06

Um dia típico... Sob encomenda para o estrangeiro... Alguns desconhecidos carregavam seu
caixão através da avenida silenciosa... Em vida, o Estrangeiro nunca teve muita platéia... Parece que
até nisso os Deuses pensaram na hora em que seu enterro foi planejado...
Logo atrás do abre-alas algumas pessoas que cruzaram o caminho do Estrangeiro
caminhavam vagarosamente no ritmo... O primeiro da fila era o Cigano, carregava em sua mão
esquerda algumas raízes e a adaga que havia dado ao Estrangeiro dias antes de sua morte. Logo em
seguida vinha uma Estrangeira, trazia consigo muita maturidade, ódio e um sorriso mórbido em
batom cor de pele. Recolhendo o lixo folião, o Substituto vinha encerrando o breve desfile. O
Silêncio foi perturbado pelo Cigano:
- Aqui... Podem baixar o caixão... – Os desconhecidos pousaram o leito de madeira
vagabunda sobre uma vala barrenta no meio da desolação. Um a um foram se aproximando da
vala... A Estrangeira desabafou com o Cigano:
- Não entendo... Não estava na hora ainda... Você sabe que não...
- Nunca entenderás... Não falas a língua... O Estrangeiro só morreu, pois não conseguiu
agüentar seu fardo... A gota d’água foi a renúncia... Assassinou seu amor... Foi demais para ele...
Uma existência relâmpago... Talvez para nos fazer perceber o que está a nossa volta, abrir nossos
olhos.
- Bobagem... Tu és o mais sábio e velho... O que poderia haver no Estrangeiro que lhe
surpreendesse?
- O recado não é para mim... Tome, presente para você... Esta adaga... “Sabes dela o que
queres saber”. Adeus!
Neste momento a Estrangeira ficou em silêncio... Guardou a adaga em seu pulso direito e
vagarosamente se retirou... O Substituto deu uns trocados aos desconhecidos que carregaram o
Estrangeiro... Estes se entreolharam e deixaram o local rapidamente...
-Bom... Estamos a sós... Em breve irei também e sua jornada estará terminada... Gostaria
apenas de entender o porquê disso tudo... Eu não estou pronto ainda... Você não podia morrer
assim... Antes da hora. Foi por amor não foi? Por que você nunca conseguiu amar de verdade? Por
que Estrangeiro? Por quê?

O Estrangeiro XII
Daniel Codespoti – 14/12/06

O Substituto voltava vagarosamente para sua casa, quase como se estivesse perdido... Atento
a cada placa, nome de rua, marca de carro... Parecia buscar em tudo a resposta que tanto queria...
Era uma resposta que solucionaria muitas perguntas...
Por volta das 19h e 30 min entrou pela porta da frente em sua casa... Pendurou o casaco e
trancou a porta algumas vezes... Estava muito perturbado... Alimentou sua barriga com fartas
mordidas de solidão e dirigiu-se para seu quarto. Uniu lítio e cortisona a água do dia anterior e
deitou-se sob amparo da mais cortante escuridão.
Despertou com um grito abafado, suado, gelado, sangrando... Vieram-lhe a mente flashes
esparsos do que parecia ter sido um sonho... Era com o Estrangeiro... Mas não conseguia lembrar-se
de mais nada... Ainda no escuro retomou aos poucos sua respiração e foi até o banheiro... Acendeu
a luz e olhou-se no espelho... O sangue era de seu nariz... Continuava suando frio e com muito
medo... Ao encarar o ralo sua memória foi trazendo o pesadelo à tona... O Estrangeiro tinha algo
nos olhos... A sua volta muito ódio e crueldade... Muitos corpos sufocados... Provavelmente
afogados em lágrimas... O Estrangeiro nada dizia, estava diferente mas era ele... Olhou para baixo e
depois arrancou sua própria língua com os dentes...
O Substituto se perguntava incessantemente se aquele que estava em seu sonho era mesmo o
Estrangeiro... Não podia acreditar em tal cena dantesca... Tudo era muito real... Cores, cheiros,
ruídos... Voltou a deitar-se... Estava desconfortável... A escuridão começou a lhe proporcionar uma
sensação claustrofóbica mesmo seu quarto sendo imenso e bem arejado... A ausência de luz tinha
peso... Então o Substituto não conseguiu mais dormir... Aguardou a chegada do amanhecer com as
luzes acesas.

O Estrangeiro XIII
Daniel Codespoti – 26/12/06

3:16 da madrugada... Taquicardia, nó... Um nó já previsto... Sofrimento... Começou a
metamorfose. Já sabia como iria ser... Colapso e caos... Muita dor... Um desespero que ultrapassava
o limite da compreensão humana. Não podia pedir socorro... queria, mas não podia. Cerrou seus
olhos, tapou os ouvidos e sufocou o choro... Por mais que puxasse, o ar não entrava... Sabia que
precisava se acalmar... A imagem do Estrangeiro estava em todos os pensamentos... Uma voz
insiste: “...enquanto rejeitar não estará a salvo...” . O que poderia ser aquilo? De onde vinha tal voz?
Desesperado, com o telefone em punho, não dispunha de muitos números a recorrer... Precisava,
queria mas não podia... Estava em choque... Mal conseguia falar... Caos e colapso... Sua saliva
inundava sua vontade de salivar, as paredes já haviam sido decifradas, as luzes eternamente
acesas... Debatia-se dentro do casulo... não queria permitir a transformação, despedaçava suas asas
com os dentes... “Não me permito voar...não posso... NÃO posso”... O lápis se encontrava
esfacelado sobre a cômoda... em trechos de antigos capítulos, o repetitivo pedido de socorro perdiase
entre as páginas.
A madrugada revelava toda sua crueldade. Os minutos congelados... O Substituto desejava
mais do que tudo a luz do sol... O dia mascarava suas fraquezas, seu destino. Quase catatônico,
repetia desesperadamente a mesma frase: “me leva daqui... me leva maldito... me colocou nessa...
pode me tirar...”. Arrastou-se até a janela mais próxima... estava a um passo da libertação...
encharcado de suor, ainda conseguiu abrir a janela sem fazer muito barulho... Debruçou no
parapeito e congelou.
“Vamos... só mais um pouco... não pare agora... AHHHH!!!! Maldito... não consegue não é?
Não!!!! Não!!! “ ...Colapso e caos... Por fim caiu desmaiado para dentro de seu quarto novamente...
A manhã veio generosa tornar as luzes do quarto desnecessárias... Trouxe consigo um recado... o
Substituto acordou... havia sangue em seu nariz... o que aconteceu não sabia ao certo... Sua única
certeza era seu nome... Estrangeiro.

O EstrangeiroXIV
(Daniel Codespoti – 01:37 am – 01/02/07)

O Estrangeiro desfrutava de suas horas iniciais de forma cautelosa... Confuso, rancoroso, um
pouco febril. Levantou-se lentamente, nada parecia haver mudado, estava tudo em seu devido
lugar... Procurava por algo que não sabia ao certo o que era, apenas sabia que precisava achar...
Caminhou até o mesmo espelho que outrora havia revelado-lhe a face do medo e encontrou lá o que
procurava... Retirou lentamente do fundo de seus olhos, um olhar que havia se escondido de forma
terna e pura nas retinas novas e já calejadas do Estrangeiro... Um olhar diferente... Por vezes
menina, assustada, desesperada, carente... Quase uma pedra bruta... Olhando mais cuidadosamente,
localizava uma mulher sofisticada, complexa, fatal, bela e dona de um sorriso único... Entorpecido
começou a resgatar também, do fundo de seus olhos, algumas lembranças... Aos poucos a memória
fez emergir risadas, momentos épicos de uma era não tão distante... emergiu também conflitos,
medos e muita dor... O Estrangeiro derramou econômicas lágrimas e reconheceu naquele olhar, algo
que lhe fora tirado no momento de seu nascimento... Alegria... Aquele sorriso feminino lhe remetia
a alegria pura e verdadeira... Sabia que nunca mais poderia te-la daquela forma primeira... Mas
aquele olhar era a única coisa real que o confortava, supria seu vazio, compreendia... Aqueles
pequenos olhos morenos mostraram ao Estrangeiro o que era amar.
Momentânea aliada, sua memória revelou o nome da bela moça... chamava-se Verde-limão,
era muito colorida... Dona de uma provocante personalidade, sabia mais sobre o Estrangeiro do que
ele mesmo muitas vezes... Fascinante... muitas vezes parecia um ser completo, cheia de dúvidas e
soluções... O toque delicado, a voz suave, o olhar de menina manhosa; Também a mulher de “garras
e asas” de intonação áspera e cruel!!! Tudo hipnotizava o Estrangeiro... Amava de uma forma
dionisíaca, inebriante, alcoólica... Para ele o melhor dos amores, já que aquele era o mais incrível
dos olhares... Por fim levantou seus olhos na direção da luz e disse para si mesmo:
“Não importa como, quando ou aonde mas nosso vício será eterno.”

O Estrangeiro XV
(Daniel Codespoti – 23/04/07)

O Sábio perambulava pelo Tempo de forma displicente quando avistou ao longe, um vulto
moribundo que se esgueirava por sombras terminais... o dia estava por um triz... mais uma noite por
vir... Cerrou seus olhos e identificou a triste figura:
-- Estrangeiro? É você?
Um semblante frio, bucólico, voltou-se para a calorosa voz e esboçou com muito esforço um
breve sorriso.
-- Creio que ainda seja...
-- Não lhe vejo há tempos meu rapaz... o que houve? Estás estranho...
-- Estou doente... Uma doença mortal... Disseram me que só aqui eu poderia trata-la...
-- Sim... Este é um bom lugar para recuperações em geral...
Logo após tal afirmação, o Estrangeiro cai fraco e desacordado sobre o sábio que
rapidamente o ajeita no chão úmido e arenoso do Tempo... Percebe por fim um imenso sangramento
manchando os trapos que simulavam uma vestimenta... O velho homem lhe despiu e avistou do
lado esquerdo de seu peito uma imensa ferida... Desesperado, o Sábio sacudiu o Estrangeiro e
indagou...
-- Como pôde? Você é um Estrangeiro... Você burlou a regra!!! Maldito!!! Não vê que agora
é tarde? Como se deixou levar... Você não podia!!!! Por mais que você soubesse... ninguém de lá
entende o idioma... Por mais que afirmem que sim, não adianta... Você está muito mal... O Último
Estrangeiro que chegou aqui desse jeito não resistiu... Você também não resistirá! Ponha-se daqui
pra fora... Não lhe resta nada a fazer... TRASTE!!
Ainda muito fraco, foi rastejando e sangrando... O solo alimentava-se de seu sangue imundo
enquanto a ferida aumentava... Muita dor e desespero assolavam o maldito... Já fora do Tempo
depois de horas rastejando, O Estrangeiro reúne forças para concluir...

-- Mal nasci, defronto algo que me assusta mais do que o fim... Então é isso que todo
estrangeiro teme... é isso... Tarde demais...

O Estrangeiro XVI
Daniel Codespoti – 19/06/07

Moribundo andarilho q incomodava os solos inférteis de uma imaginação antiga...
Antiquada para alguns padrões vigentes, o Estrangeiro carregava penitente sua cruz de sangue e
solidão... Andou e andou... Parou diante de uma construção acolhedora, simples... Antes que se
pronunciasse em busca de alguém, uma bela mulher abriu a frágil e barulhenta porta...
- Já deve ter ouvido muito isso meu jovem... Mas em todo caso: Esperava por você... Entre,
acabei de passar um café...
Esquálido e digno de pena, o Estrangeiro se arrastou para dentro da casa...
- Preciso de água, cuidados... Por favor...
- HAHAHAH !!! De certo não sabe quem eu sou ... É como já diziam os antigos: ''Um estrangeiro
bruto não serve para nada''... Um peso morto, um mero capricho do acaso ... Assim como você...
um imprestável... Você teve a sorte que poucos estrangeiros tiveram... Assumiu o cargo ainda
muito jovem e me encontrou... Sabe quem eu realmente sou? Me chamo ... VERDADE!!!!
Nesse momento, O Estrangeiro parou até mesmo de respirar... Começou a olhar fixamente

para o rosto da bela moça... Detalhe por detalhe... Começou a desesperar-se... Queria sair dali...
Aquela beleza o assustava... era linda, mas ele não aguentava olhar, doía muito o fundo dos seus
olhos...
- Vamos verme!!!! Acorde!!! Descubra quem você realmente é!!! Não tenha medo!!!
Dor e sofrimento... o Estrangeiro começou a se debater até aterrizar em um chão úmido e
poeirento... Sua ferida aumentava muito e ele perdia litros e litros de sangue... Foi perdendo sentido
por sentido. Primeiro foi a audição... Aí então conheceu o silêncio absoluto... o silêncio pré
embrionário... Não, não era o silêncio intra uterino... Era o silêncio final...
Logo após, perdeu o olfato... uma leve alegria encheu seu rosto pois não sentia mais o
péssimo odor de sua ferida... O tato se foi quase que ao mesmo tempo... Não havia mais dor... Só
lhe restava a visão. Aquela agonia era um misto de desespero e um prazer mórbido... Pois sabia que
ainda havia algo por vir. Por fim, cego... só lhe restava algo que nem mesmo a Verdade saberia
identificar...
O dia chegou ao seu final... A semana toda passou... O Mês passou... Ano... Anos...
Décadas... séculos... E o Estrangeiro permanecia ali caído... Aos poucos sua audição foi voltando...
foi ficando com frio ... sua vista de negra para turva até atingir algumas cores novamente... sentia
um cheiro que já não era de sua ferida... não havia mais sangue, mas havia buraco sem dor. Leve e
renovado o Estrangeiro levantou-se, a verdade já não residia mais lá... Olhou no relógio em cima da
mesa de centro e notou que o que lhe pareceram séculos, foram apenas 2 minutos... Nada mais que
isso...Tudo permanecia igual... O café ainda estava quente e a casa... Vazia.
Mirou-se aproveitando o reflexo da janela... Continuava sendo o Estrangeiro... mas agora
sentia todos os elementos mais do que humanos transbordando... Havia muito a ser feito... e a
primeira coisa era ACERTAR CONTAS!

O Estrangeiro XVII
Daniel Codespoti – 10/08/07

Renovado... Sentiu-se forte pela primeira vez... Preso ao reflexo da janela via um corpo
devastado porém sem dor... sem cansaço ou torpor... Era como se fosse outra pessoa, alguém que o
Estrangeiro temia... Não estava nem perto de ser algo de sua imaginação... Era real... A palavra
vingança ecoava por cada átomo que o cercava... Estava sedento... Possuía os nomes, endereços,
sabia das histórias, tinha bons motivos para se vingar, mas um único detalhe ainda o segurava
defronte sua imagem... Não eram recordações próprias... não eram momentos vividos por ele... Mas
ao mesmo tempo era como se fosse... A sede de vingança era mais do que suficiente para que o
Estrangeiro se apropriasse de tanto sofrimento... Começou a buscar em vão por lembranças suas.
Não se lembrava sequer seu nome antes de “assumir” o Estrangeiro... Sentia que a metamorfose
estava por fim completa... Havia se tornado impessoal, atemporal... tomava para si sentimentos e
vontades alheias... nada que habitava aquela carcaça pertencia a ele, nem sequer 5%... Seus olhos
eram outros... dentes, boca, cabelo... nada pertencia de fato a ele... a única coisa que lhe garantia
qualquer momento anterior ao funesto encontro com a Verdade era sua ferida seca que cicatrizava
aos poucos... Algo lhe soprava: “ A hora que tal vale se fechar, nada mais restará da sua vida na
caverna”.
Vestiu a melhor roupa que encontrou na casa e quando saiu pela porta da frente, todo aquele
cenário de desolação havia sido convertido em uma realidade urbana... O barulho das ruas o irritava
ainda mais... Ao olhar para trás, constatou q havia saído de um imenso buraco na parede e não da
Casa da Verdade. O vento anunciava a fria noite de outono em alguma capital perdida pelo globo...
Sem mais delongas foi atrás de seu primeiro acerto... Começou do último na lista ideal... Seu nome

era Ataliba Quinchuá... Profissional na casa da mentira... Lugar que o Estrangeiro conhecia bem.

O Estrangeiro XVIII
Daniel Codespoti – 13/08/2007

“A Casa da Mentira” era uma enorme edificação, um arranha céu de incontáveis andares...
Um lugar que o Estrangeiro costumava frequentar muito... Não sabia precisar tais ocasiões mas as
lembranças eram claras. Sabia que não poderia acertar contas lá... Teria que esperar Ataliba do lado
de fora... Não demorou muito, seu alvo deixou o prédio... O Estrangeiro o analisou de longe; Um
senhor aparentando uns 67 anos, cabelos brancos e bem aparados, pele rosa e um aspecto muito
pacato.
O Estrangeiro dirigiu-se até Ataliba:
-Boa noite senhor Ataliba...
-Boa noite... Ahmm... mas como sabe meu nome?
-Sei muito mais do que seu nome... O senhor tem duas opções... ou me acompanha sem relutar e
fazer perguntas, ou serei forçado a fazer a sua linda netinha Carla o mesmo que fez à aquela pobre
índia em certa ocasião!
Naquele momento o doce senhor perdeu a cor... Seus olhos se encheram de terror...
Finalmente havia conhecido o que era medo de verdade.
-Mas...
-Escolha a opção – O Estrangeiro deu as costas ao velho e foi se afastando em passos
lentos... Não tinha escolha, Ataliba começou a segui-lo.
- Boa escolha... Poupe seu fôlego economizando palavras... teremos uma longa caminhada...
Andaram muito... Em um bairro afastado do grande centro, avistaram um cemitério que mais
parecia com uma cidade... toneladas de concreto, estatuetas eram tão angelicais quanto mórbidas...
Ataliba já perdera o aspecto doce... Suado, ofegante... O terror era tanto que não se atreveu a dirigir
uma palavra ao Estrangeiro... Chegaram por fim na ala mais abandonada do cemitério... O
Estrangeiro colocou:
-Aqui residem túmulos esquecidos... Pessoas que morreram muito mais que as demais...
O Estrangeiro retirou a poeira de uma das lápides... Abriu a precária portinhola tumular...
-Aqui verme... Desça até tocar o chão... Estarei logo atrás de você...
Ataliba ameaçou retrucar quando o Estrangeiro tirou do bolso da camisa uma correntinha
folhada a ouro, o velho homem a conhecia muito bem... Na extremidade inferior uma plaquinha
com um nome: “Carla” .
-Desça velho... “Não me teste”...
Mais raivoso do que assustado, Ataliba abaixou-se com certa dificuldade, virou de costas,
rastejou para dentro da lápide e achou o primeiro degrau da escada de madeira úmida... Começou a
descer... O Estrangeiro entrou na sequência fechando a portinhola. Desceram por horas... o sol já
havia nascido novamente na cidade e eles ainda desciam... O túmulo parecia não ter fim...
Escuridão, silêncio, as paredes compostas do cimento mais arenoso possível exalavam seu odor secular e opressor.
Por fim eles tocaram o solo.

O Estrangeiro XIX
Daniel Codespoti – 13/08/07

- Muito bem, agora que chegamos podemos conversar de forma mais direta...
-Seu maldito, deixe minha neta em paz... se você fizer algo a ela eu...
-VOCÊ O QUE FILHO DA PUTA???? FARÁ A MIM O QUE FEZ À ÍNDIA??? VAI ME
ESTUPRAR, ME ESPANCAR ATÉ FICAR CATATÔNICO E DEPOIS ME QUEIMAR ATÉ OS
OSSOS???? HEIN??? HEIN??? RESPONDE SEU VELHO MALDITO!!!!!
-Mas é impossível... como você sabe??? só eu e os dois doutores sabíamos disso... foi a
muito tempo, não tínhamos a real noção do que estávamos fazendo... todos bêbados... Afinal, quem
é você??? de onde veio??
-Isso não lhe interessa... Eu vim para acertar contas... Quem diria... Seis anos após o
ocorrido, o bom “doutô” se casou, teve 3 filhas maravilhosas, uma esposa fiel e muito religiosa...
Aposto que você não fez com ela nem sequer um terço do que fez com a pobre índia... As filhas
cresceram e agora o bom velhinho tem 3 netos cursando a universidade e uma netinha de 9 anos...
Achou que a vida estava em ordem não é Ataliba!!!???? Achou que o segredinho sujo de três
indianistas embragados na condição humana mais primal estaria a salvo??? Nunca esteve... Só
estava aguardando o momento mais pacífico e prazeroso da sua existência para lhe visitar!!!!
Ataliba chorava, desesperado tentava escalar de volta pelas paredes, cravava as unhas no cimento enquanto esbravejava:
-Você não tem provas de nada maldito, nunca poderá me incriminar! - Empurrou o
Estrangeiro e começou a subir as escadas rapidamente... O Estrangeiro gritou:
-ISSO FUJA!!!! NO MOMENTO EM QUE CHEGAR A POLÍCIA PARA ME
DENUNCIAR JÁ ESTAREI COMENDO A SUA LINDA CARLA COM UM FERRO DE
MARCAR GADO FERVENDO!!!!
Ataliba se descontrolou ainda mais e tentou investir contra o Estrangeiro pulando do sexto
degrau da escada em sua direção... O Estrangeiro desviou e o velho se esborrachou no chão. Imóvel
de dor, sentiu a respiração de seu algoz quente na nuca e logo depois um golpe mediano atrás de seu
pescoço... Estava grogue e ouvia a voz do Estrangeiro distante e de várias direções:
-Agora irá sofrer tudo o que aquela pobre coitada sofreu...
O Estrangeiro tirou as roupas do velho... retirou do bolso novamente a correntinha de Carla
e 5 arames finos enrolados, estes mediam mais ou menos meio metro... Eram maleáveis porém
resistentes. Abriu as nádegas do velho, desenrolou o primeiro arame e o introduziu em seu ânus...
Ataliba apesar de ainda tonto urrou como nunca tinha feito antes na vida... nem quando se deliciou
no corpo da pobre criança. Sem aliviar, o Estrangeiro introduziu o segundo, e assim foi até chegar
no quinto... O ânus do maldito velho já começava a revelar ao Estrangeiro quanto tempo mais tudo
aquilo iria durar... Era um sangue escuro... vinha do meio das entranhas... Ataliba gritava muito por
socorro... chorava e falava repetidamente um nome de origem indígena ... Era quase impossível
compreender suas lamúrias já que estas eram proferidas junto a gritos e engasgos de dor... Por fim, o Estrangeiro retirou de trás da escada uma garrafa de cachaça e a colocou no campo de visão de Ataliba...
-Vê moribundo? Serei piedoso contigo... Não vou queima-lo vivo... Essa cachaça é a mesma que usou para atear fogo naquele pequeno corpo... Fiz questão de trazer uma daquela viagem...
-Mas como assim??? coff coff!!!.. urgh!!! Você estava lá??? como sabe de tantos
detalhes??? você viu??? isso faz mais de 42 anos... é impossível, você nem tem essa idade!!!!
Foi quando o Estrangeiro pegou a garrafa, abriu, jogou a correntinha de Carla dentro.
Deixou que chegasse ao fundo... Abriu novamente as nádegas de Ataliba e em um só golpe a
introduziu quase que inteira em seu ânus! Antes que desmaiasse de dor, já tendo convulsões, o
Estrangeiro desferiu seis ou sete fortes pontapés contra a região pélvica do velho, estilhaçando a
garrafa dentro de seu corpo!!!! reaproximou-se para as palavras finais:
-VELHO MALDITO, EU NÃO ESTAVA LÁ!!! SÓ SEI PORQUE SOU O
ESTRANGEIRO!!!

O Estrangeiro XX
Daniel Codespoti – 14/08/07 – 2:32

Meses de isolamento... O Estrangeiro se flagrava almejando uma vida normal... Via os
mártires e escravos do mundo, invejava tamanha facilidade de adaptação a qualquer ambiente de
vida imposto, sugerido ou adotado... O caso da menina estuprada já havia se perdido por entre memórias e lembranças que devastavam sua mente. As palavras proferidas pela Verdade há tempos atrás, não lhe significavam mais... Aquela conversa lhe parecia um sonho... Assim como o assassinato de Ataliba. Não se adaptava a nada... Não conseguia ser, não conseguia estar, não tinha
nada de santo, muito menos de assassino ou vingador... Não sentia culpa, remorso... Não sentia
alívio nem pena... Não sentia alegria... Tudo o que poderia ser intitulado como sentimento lhe era
efêmero. O ódio que o motivou a matar o velho já não residia mais em suas entranhas, não habitava
nenhuma célula de seu corpo.
Vagava solitário pela noite quando se deparou com um rapaz jogado numa escadaria antiga,
aparentemente embriagado.
-- Qual é a graça de beber sozinho? -- O Estrangeiro lhe perguntou...
-- Hmmm... A mesma graça de vagar sozinho aparentando não ter rumo...
-- Como sabe que não tenho rumo?
-- Bom, não sabia até agora...
Aquele jovem intrigou o Estrangeiro... Normalmente ele não tinha paciência para pessoas
normais... as invejava, mas não as suportava... Nunca ficaria trocando palavras insólitas com um
moleque bêbado. Havia alguma coisa estranha ali, pela primeira vez em meses se interessou por
algo... Logo, continuou:
-- Enfim... bebes para rir, ou para chorar?
-- HAHAHAHAHAH!!!! Sei lá... já bebi para ambas as coisas... Hoje bebo por beber... Rir
ou chorar são sempre boas desculpas... Acho que bebo mais para anestesiar... Tanto o que me faz
bem, quanto o que me faz mal. Na verdade estou cansado das coisas... Sou novo para tal, mas é a
realidade... Venho de uma ótima família, dei a sorte de ter bons pais, educação, estudo... trabalho

com o que gosto apesar de não ganhar dinheiro com isso... O meu problema é que não gosto de
gente... não gosto do ser humano em si... AHHAHA é eu sei, soa como revolução de botequim...
Brega e piegas... Afinal, viemos a este mundo – começou a explicar com um tom muito irônico--
para comprovar que nada pode ser perfeito, nem a natureza escapou dessa máxima que se revela
quase que algébrica HAHAHA.
-- É acho que lhe compreendo...
-- AHHAHAHAHAHAHAHAHA!!!! Claro que compreende... Você é o Estrangeiro!!!
Neste momento, o Estrangeiro fitou-o surpreso, boquiaberto...
-- Mas... como? Como você sabe? Você... você também é um estrangeiro?
-- HAHAHAHAHAH!!! Não não... Nem isso eu sou... Sei porque fui eu que te criei! Muito
prazer, sou Daniel Codespoti.
-- Mas... mas... como??
O Estrangeiro começou a se sentir estranho...
-- É, não espero que você entenda... você nem sequer existe... Ataliba também não existe...
Toda essa sua dor... essas dúvidas... Tudo isso é culpa minha... Se você se tornou o Estrangeiro
antes do tempo... também é culpa minha, fui eu que resolvi acabar com a vida daquele que foi seu
antecessor... Estava tudo muito monótono... Drama barato mesmo sabe... Eu precisava de “alguém”
pra sofrer de verdade... Sou um sádico... HAHAHH e gozador!!! HAHAHAHAHAH!!!
-- Mas...
-- Ah não, vai... Você já ouviu demais e eu já bebi demais... Não se preocupe, se quiser,
escrevo sobre todo esse drama de você existir sobre a forma de um ser humano muito perturbado e

esse nosso encontro logo cairá no esquecimento... Viu? Isso é brincar de Deus... faço com você e
tem um bando de gente por aí que prega que fazem o mesmo comigo, aliás, com todos... A
diferença é que eu tive a decência de vir te dizer que você é só mais uma criatura que não veio de
lugar nenhum e nem vai para lugar algum... Pensando bem, vai ver que tiveram comigo também só
que eu preferi esquecer AHHAHAHA!!! Ah, certo, chega por hoje... Vamos nos encontrar mais
vezes para beber... Quando quiser saberá aonde me achar... Até logo.
O criador deu as costas para sua criatura e cambaleando se perdeu por entre as famosas
“paredes de concreto aramado até os dentes”.

O Estrangeiro XXI
Daniel Codespoti – 14/12/07 – 03:20 am

“Quando quiser, saberá aonde me achar... Quando quiser, saberá aonde me achar... Quando
quiser, saberá aonde me achar...”
E finalmente ele acordou... O Estrangeiro abriu os olhos com certa dificuldade, seus
músculos não obedeciam com muita precisão... Se lembrava de um sonho estranho, esparsos
momentos... uma pessoa que se chamava Danilo, ou Daniel... Não conseguia se recordar de muitos
detalhes mas havia em sua cabeça um local... Uma longa escadaria e uma construção abandonada,
não sabia aonde era exatamente mas tinha uma noção de como chegar lá. Olhou para o relógio e
constatou que era quase noite novamente... Não tinha certeza se havia dormido cinco minutos ou
cinco dias.
Chovia muito naquele bucólico fim de tarde... Aquele local não saia de sua cabeça, era quase que forçado por sua consciência a voltar lá... E foi o q fez, pegou um sobretudo velho e colocou-se a
andar na forte chuva. Não estava muito em si, simplesmente andava, era levado por seus pés através
de poças, barro e asfalto, quando se deparou com a mesma escadaria de seus sonhos, o rapaz que
havia visto não estava lá... No alto da escadaria, uma porta que levava a um completo breu...
Atraído, começou a subir. Antes que atingisse o topo ouviu algo se mexendo na sua retaguarda e
sentiu uma pancada atrás da cabeça.
Tonto e confuso, ao despertar, percebeu que estava amarrado a uma cadeira, cerrou os olhos
em uma tentativa quase que inútil de persuadir o foco intenso de luz que vinha contra seu rosto.
Uma silhueta larga lhe dirigiu a palavra:
-- Finalmente Estrangeiro... Você é uma pessoa de difícil acesso. Vou esclarecer umas
coisas... Em primeiro lugar, mesmo você me conhecendo, deixe que eu me apresente... Meu nome
é:
-- MENTIRA!!! - Gritou o Estrangeiro.
-- Poxa... Vejo que sou realmente muito famoso HAHAHAH!!! Perfeito Estrangeiro... Você
está em minha casa. Tenho contas a acertar com você.
--Sim, eu sei... peguei um dos seus funcionários...
--Exato... Ataliba era muito mais que um funcionário, era minha obra prima, um ser
miserável que cometeu um ato dantesco na juventude... Nenhuma pena imposta pela justiça teria
sido tão cruel quanto seu remorso... Então ele me procurou a mais ou menos uns 35 anos atrás... Foi
aí que moldei sua vida... criei as mentiras que ele queria acreditar, pessoas que ele pudesse amar,
uma profissão, para aos poucos, ir amenizando sua dor pelo seus atos passados... Enquanto a
Verdade só criava a Guerra, a Fome, a Miséria... Provas de que o ser humano seria o ponto final
deste planeta, de uma história que é de minha autoria. Ataliba seria a prova da Redenção... Que as
pessoas podem mudar, deixar seu passado para trás... Que a justiça humana não é a prova máxima
da ordem... E VOCÊ ESPEROU UMA VIDA TODA PARA ANIQUILA-LO DA FORMA MAIS
CRUEL!!!!!
-- HAHAHAHAHHAHAHAHAHAH!!!!! Cof cof!! AHAHHAHAHA
-- MAS!! MAS!!! Do que está rindo traste?
-- Quer dizer me me raptou para se vingar de mim pelo que fiz ao seu melhor trabalho??
AHHAHAHAHAHAHAHAHA!!! É, acho que você está precisando reciclar seu departamento de
marketing ou trabalhar com gente de mais visão...
-- Cale a boca filho duma puta vou te matar da mesma forma que fez com Ataliba...
-- Cale- se você... Não seja um mal perdedor, esse mundo que você criou é um fruto que
apodreceu... A Verdade comercialmente e politicamente acabou mostrando mais qualidade e um
trabalho melhor... Assuma... Terá que começar do zero novamente.
-- É o que vamos ver seu corno de merda!!! Eu vou te mostrar Estrangeiro incherido, o que
acontece com quem se mete aonde não deve... Mas vou deixa-lo vivo!!! Pensando bem, quero que
você viva o suficiente para testemunhar a minha volta por cima... Só o fato de existir, já o torna um
perdedor... Um joguete na mão de um criador tão miserável quanto.
Três homens brotaram das sombras e começaram a espancar o Estrangeiro sem dó... quanto
mais batiam e feriam, mais o Estrangeiro ria!!! Seus algozes nada entendiam sobre a dor, sobre o
medo... batiam como amadores. Quanto mais ele ria, mais eles batiam. Começou a sentir o sangue
entre os dentes... Riu até um pouco antes de desmaiar...
-- Senhor... Creio que se continuarmos ele não irá resistir.
-- É, eu sei... Por hora está bom... joguem esse lixo próximo a um hospital.
-- Sim senhor.

O Estrangeiro XXII
Daniel Codespoti – 14/12/07 – 4:29 Am

-- Doutor, preciso que veja o caso do paciente 163...
-- Ah sim, o indigente... Espere que ele acorde e livre-se dele o mais rápido possível...
sempre aparecem esses maltrapilhos bêbados e feridos por aqui... é só mais um leito ocupado, já
sabe, verifique se ele está bem e mande-o embora.
-- Sim Doutor.
Horas depois...
-- Ah!! Aonde estou...
-- Calma... O senhor está no hosp!
-- Sim sim!!! A surra, a Mentira... os homens!!!
-- Mantenha calma... O senhor está sob observação, chegou aqui muito ferido e...
Antes do enfermeiro concluir, o Estrangeiro arriscou levantar-se mas sem muito sucesso, seu
corpo estava muito machucado... Mesmo assim, foi erguendo-se devagar e se arrastou em direção a
porta... O enfermeiro pouco tentou para mante-lo no hospital... lhe dirigiu palavras que nem
captadas por seus ouvidos foram... Meia hora depois estava na rua novamente... Os últimos
acontecimentos pipocavam em sua cabeça... Em frente a uma loja de televisores ouviu de uma das
tvs:

-- “Corpo do médico e indianista Ataliba Quiunchá, encontrado na última terça-feira, será
velado hoje as quatorze horas no cemitério central”.
Uma curiosidade mórbida se abateu sobre o Estrangeiro... Quarenta minutos depois se
encontrava próximo a vala que serviria de moradia para Ataliba... Não se aproximou muito, ficou
observando abrigado por um grande mausóleo... Correu seus olhos pelas pessoas presentes no
enterro... Surpreso, foi acometido por uma sensação estranha de que só existiam aquelas pessoas no
mundo. Tal sensação foi interrompida pela voz da mulher de Ataliba, que havia pedido a palavra
perante ao túmulo de seu amado. Enquanto proferia clichês de proporções absurdas, uma jovem
desgarrou- se de um distinto casal e foi de encontro ao Estrangeiro.
-- Oi, eu sou Carla...
--Sim, deve ser a netinha de Ataliba...
--Isso, o senhor conhecia meu avô?
-- Ahm... Digamos que sim.
-- Por que o senhor está de longe? Chegue mais perto, meu avô era uma ótima pessoa, vou
sentir muita falta dele... Não sei porque fizeram isso com ele, era amado por todos... Existe muita
gente má por aí...
Antes que Carla terminasse de falar, o Estrangeiro deu as costas para a garota e foi se
arrastando para fora do cemitério... Sentiu-se mal, uma espécie de remorso e dó... Mesmo sabendo o
que Ataliba havia feito em seu passado... Uma das poucas vezes que o Estrangeiro se sentiu humano
de verdade. Na saída se deparou com a Mentira que chegava esbaforida e atrasada para o enterro...
Esta olhou nos olhos do Estrangeiro e disse de forma irônica e confiante...

-- Conheceu Carla não é??? Pois é meu caro assassino... Minha volta por cima já começou.
O Estrangeiro nada falou, continuou andando em direção rua.

O Estrangeiro XXIII
Daniel Codespoti – 18/12/2007

Cambaleava, tanto pela surra quanto pelos analgésicos... As palavras de Carla o
ensurdeciam, uma sensação estranha... Tais sentimentos eram realmente novos para o Estrangeiro...
Havia muita gente na rua... Estava se sentindo sufocado pela multidão, avistou a entrada do metrô...
Seus olhos começaram a turvar... As pernas anunciaram a traição... Escorando-se pelo corre-mão e
paredes chegou finalmente ao banheiro da estação... Foi até a última pia e levou as mãos cheias de
água em direção ao rosto... Ao olhar-se no espelho, quase caiu para trás... Viu uma imagem que não
era a dele... Sabia que já havia visto em algum lugar mas como quase em tudo, não se recordava de
onde que conhecia tal figura... Irritado, confuso e amedrontado virou-se bruscamente em direção a
porta do banheiro, ao primeiro passo sua vista terminou de pretejar... Lembrava-se vagamente de já
ter passado por algo parecido, tudo ocorria em câmera lenta... o choque contra o piso de azulejos
creme era iminente... Esperou... Esperou... Esperou... Nada veio, não houve choque.
Abriu os olhos... Estava perdido em um breu total... Nada via, tudo escuro, nem sequer uma
silhueta... Parecia que flutuava. Colocou-se a andar... A sensação era de estar horas caminhando
sem chegar a lugar algum... Como paisagem apenas as trevas... Tal silêncio chegava a incomodar
seus ouvidos... Ouvia apenas sua pulsação... O barulho do sangue jorrando nas veias... os cílios

enroscando nas pálpebras e o roçar de seus trapos. Após mais um bom tempo caminhando trombou
com algo e desabou... Tateando centímetro por centímetro, chegou a uma peça que lembrava uma
maçaneta... Testou-a furiosamente sem sucesso... Tal porta parecia trancada, sentou-se e esperou...
Reuniu forças e bateu... Em poucos segundos ouviu passos do outro lado e finalmente alguém abriu.
-- Vejo que nos encontramos de novo caro amigo.
-- Não vejo nada, esta luz está me cegando!!!!
-- Calma! Daqui a pouco sua vista se acostuma... Devo tranquiliza-lo, estas em sua própria
casa...
Forçando a vista, o Estrangeiro não conseguia acreditar nos seus olhos... Era seu quarto... A
esquerda a janela, no centro a cama... A direita o banheiro... Olhou para o dono da voz e disse:
-- Mas é você... Você que eu estava procurando... O Bêbado da escadaria...
-- Por favor... Mas respeito com seu criador! -- Proferiu em tom irônico.
-- Seu maldito!!! Você não existe... Você está dentro da minha cabeça!
-- Como pode ter certeza Estrangeiro??? Digo que eu sou muito mais real que você!
-- Mentira!!! E vou lhe provar!!!
Em desabalada carreira dirigiu-se até o banheiro de seu quarto e abriu o armário debaixo da
pia... Tirou vários frascos contendo capsulas e os arremessou contra seu criador. Um dos frascos
acertou seu ombro estilhaçando-se contra a janela.
-- Vê maldito... sou uma pessoa doente!!!! Louca... Tomo remédios!!! Você não existe, a
essa altura a polícia já deve estar me procurando, afinal matei um homem!!!

-- Não se iluda... Eu que coloquei aqueles remédios lá, eu que fiz com que Carla viesse falar
com você... Talvez eu tenha te matado a horas atrás, quando caiu no banheiro da estação... Você não
entende... só existe se for de minha vontade... Só será preso se eu quiser!!!
-- CALA BOCA!!!! VOCÊ ESTÁ ME ENLOUQUECENDO MALDITO!!!! Foi a Mentira
que te enviou e eu caí direitinho!!! Mas agora já sei!!! Somos todos da mesma laia nojenta e
hipócrita!!!
-- HAHAHAH sim!!! Isso somos mesmo!!!
-- Me diga por que então está aqui!!!?
-- Como falei sou um sádico... Um gozador... Essa coisa de brincar de Deus é divertida...
quero ver até onde podemos chegar com isso!!!
-- Vou lhe mostrar aonde você vai “chegar com isso”!!!!
O Estrangeiro pega um revolver na gaveta de seu criado mudo e aponta para seu criador.
-- Aham!!! HAHAHAH!!! Isto está se tornando dramático... Bem do jeito que gosto... Vê
como o que digo é verdade? Você nunca teve uma arma e nem sequer sabia que tinha...
Simplesmente abriu a gaveta e pegou HAHAHAH!!! Isso não soa estranho? SÓ ESTAVA LÁ
PORQUE EU ESCREVI QUE ESTARIA E ESCREVI QUE VOCÊ A PEGARIA!!!
-- CALA ESSA BOCA MALDITO!!!
-- Agora Estrangeiro... Quem vai terminar essa história é você!! Tem duas opções... Ou
acredita em mim e abaixa essa arma para continuar com sua existência mediócre, ou então dispare
contra minha pessoa e acabe de uma vez por todas com você... Lembre-se Estrangeiro... Sem mim,
você nem sequer existe.
O Estrangeiro estava descontrolado e profundamente perturbado... Não sabia o que fazer...
As coisas que aquele homem falava não faziam sentido algum, só podia ser mais um truque da
Mentira ou alguma alucinação esquizofrênica, mas não conseguia se lembrar de onde vieram os
remédios, a arma... Não conseguia conectar o vazio que separava o metro da sua casa... Nada fazia
sentido na existência do Estrangeiro... A arma começou a pesar em sua mão... foi acalmando-se...
abaixando a arma até que caiu sobre seus joelhos.
-- HAHAHAHA!!! Tudo bem, sua escolha está feita... Vou embora, não me verá nunca
mais, não será mais o Estrangeiro... entrará em um tratamento psiquiátrico e em nove meses
renascerá para uma vida normal... Voltará a ser que era antes de assumir o posto de Estrangeiro...
Em pouco tempo não se lembrará mais de mim e nem do que pensa que fez... Não tem dívida com a
lei rapaz... está livre... Ataliba e Carla, foram só pesadelos, A Mentira e a Verdade não são pessoas
e sim conceitos... Adeus.
Daniel deu as costas para o Estrangeiro e rumou em direção a porta.
-- DANIEL???
--Sim?

Um estampido seco encheu o quarto...

-- Garcia!!! Anota aí no óbito. “indigente, morte ocasionada por ferimentos graves nas
pernas, região abdominal e cabeça. Sinais de luta... Dezoito horas, banheiro do metrô central.”
Depois arruma bonitinho e manda pra pilha.
-- Feito...


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Currutela – 10/01/09


De uma antiga currutela, escapavam ruídos que só os loucos podiam decifrar. Paredes recém pintadas... Clausuras de eras hostis... O que não conseguimos destruir, tentamos aprisionar. Eis que surgiu por entre o tecido mais vagabundo a dama que não tinha alma. O absinto desperdiçava-se entre lábios marcados e a taça de vidro. Trazia consigo um vestígio fullgas de inocência... A noite é muito cruel com suas crias. A pele flácida maquiava o mal gosto que escondia sua idade.

Sem pronunciar uma única palavra, me tomou pela mão e começou a me guiar. A incoerência de suas mãos exercia sobre mim um certo fascínio... Calejadas, judiadas... Ainda assim macias, suaves!!! Chegamos finalmente a ante-sala do inferno. Restos de cigarro e cocaína decoravam o tapete bordeaux. Ainda em silêncio, me abraçou suavemente, como se fossemos dançar... Ao encostar sua face contra a minha, pude sentir o perfume extremamente forte e doce que que a purificava de momentos vividos anteriormente... Como se a noite estivesse acabado de começar. Valsávamos lentamente um silêncio cortante que por vezes era interrompido por sussurros alheios ao quarto.

O toque quase imperceptível de seus dedos sobre meu paletó esboçava uma vontade reprimida, um rompante tímido de sinceridade que as convenções nunca permitiriam... Era linda a dama sem alma. O lusco-fusco do bangalô dava um ar enigmático para seus traços... Seu rosto tocava bem de leve o meu, sua respiração era muito suave. Com um tom muito doce me perguntou como eu gostaria de começar... Repliquei perguntando se ela queria realmente começar... A dama não estava entendendo aonde eu queria chegar:

-- Mas você veio aqui para que afinal?

-- Voltei para te ver... Já estive aqui outras noites te observando...

-- Continuo não entendendo!

-- Deixe-me conquista-la... Não estou falando em prestação de serviços... Faremos apenas o que você quiser... Se quiser que eu vá embora, vou sem problemas...

-- Mas já estamos aqui, você tem que pagar porque senão eu...

-- Sim, eu sei, fique calma... já está pago... Não quero seus serviços profissionais...

-- Mas o que quer então?

A esta altura eu não sabia mais o que eu estava fazendo ali... O porque daquela obsessão... Era simplesmente uma vontade de ficar ali, valsando aquele momento que com toda certeza, dentro de poucas horas seria como um sonho... Eu não precisava de beijos ardentes ou de uma intensa noite de amor... Precisava de tranquilidade, doçura... Precisava de sinceridade, inocência... Quanto mais eu tentava me explicar, menos a donzela parecia entender...

-- Mas se você está procurando por inocência, olha, aqui não é o lugar não.

-- Algum dia talvez você venha a compreender... Me abrace... Apenas me abrace....

Deitamo-nos na cama imunda, nos lençóis maculados pelo descaso, violência e preconceito. Por um breve instante me senti completo, mesmo sabendo que aquilo tudo não passava de uma ilusão, de um delírio moribundo... Eu me alimentava de seu amor de mentira... Passaria noites a fio acariciando seus cabelos, sua pele, rosto e lábios... Sentia uma necessidade absurda de cuidar, de tratar bem, de dar carinho... Aquilo me proporcionava alegria.

O que me surpreendeu foi que em poucos minutos, a donzela caiu em um pranto fino, apertado... Um choro entre dentes, preocupado. Achei desnecessário perguntar o motivo... Simplesmente continuei ali... Chorou por poucos minutos e adormeceu... Seu sono era tranquilo igual ao de uma criança... Livre de culpa, leve. Era a contradição em pessoa... Amava-a de uma forma muito despreocupada, a sensação era maravilhosa... Movimentos cuidadosos me colocaram sobre minhas pernas novamente, olhei uma última vez para a moça... Usei meu paletó como cobertor e protegi suas costas... Beijei seus cabelos e saí ainda exitante...

Me dirigí até o dono da currutela e oferecendo um bom dinheiro, praticamente lhe implorei:

-- Deixe a moça dormir até amanhã...

-- O seu dinheiro é quem manda...

-- Tomarei isso como um “sim” então.

Deixei a currutela sem olhar para trás... O amor havia se tornado uma dor física... Quanto mais impossível, mais desafiador, mais problemático, mais este amor me interessava...


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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Fechado para balanço II - 15/03/06


O último suspiro se faz implacável, desfruto de sua persistência e arrogância
a muito tempo. É estranho vestir-se para o próprio velório, procurar desculpas
para adiar o inevitável jantar com o fim.

Tais palavras que mal formam versos enferrujados nasceram da dicotomia que
alimenta e mata de fome o estrangeiro cujas botas carregam a herança de solos
nunca visitados.

Talvez este texto não seja sobre estar morto ou vivo, ou morto em vida...
Fala sobre acreditar em suas próprias mentiras, fazer do fígado um alambique
de luxo, transformar "pseudotragadas" na conta do tal jantar, morrer pelas
mãos de terceiros, já que é tão difícil fazer tal serviço...

Cinco meses sem lápis e papel comprovam o quão monótona é minha escrita...
versos que só se repetem e ocupam espaço, espectador do próprio melodrama.
Patético.


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Dados - 15/03/06


Quando o estado de lapso é recorrente, mesmo que sobre a mais fria pedra, a
mais desconfortável situação, a prostração se faz benvinda. Vicío em dados
sem faces, em detalhes inexistentes, imploro por um toque acidental, um afago.

Rabiscos e ruídos alimentam minhas loucuras, finjo não ser o que não sou,
estrago tudo denovo, congelo ao sol do meio-dia. Respirar se torna cada vez
mais uma ação pensada, gatilho que dispara contra meu futuro, me faz dançar fora do rítimo, cantar fora do tom, sentir entre os dentes o sangue quente, sufocar em boas ações vontades e sofrimentos.


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Ausência - 15/03/06


Memórias de acontecimentos nunca ocorridos dividem o cinzeiro com cinzas de
cigarros nunca tragados... platéia do meu próprio escândalo pacional exijo de mim o dinheiro de volta.

Sangro lágrimas de cimento por horas a fio, na esperança de erguer paredes incapazes de suportar a verticalidade urbana. Sempre culpado por crimes nunca cometidos... eterno laranja de minhas próprias maquinações.

O charme que gira em torno da solidão se esvai ao badalar da décima primeira
hora. O desespero é artístico em terceira pessoa.


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O Estrangeiro - 09/05


Estar é uma questão de tempo.
As noites fogem do controle,
Só a lua consegue ser feliz nas trevas.
Astros são mais belos quando mortos.

Tão nômades quanto as paixões, os corpos...

Água que banha canelas sujas.
Retirante cuja bagagem se mostra efêmera.
O que banhou Aquiles, Banha severino...
Levou os anos, congelou fevereiro.

Escorreu pelas mãos do estrangeiro...


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O Ventríloco - 08/05


Alguns como a pretenciosa argila,
anseiam por virar cerâmica.
Prolixo teatro de marionetes
parido por um "ventrilouco".

A muleta do hipócrita é feita de farinha,
permite aplaudir as verdades que lhe interessam
Brindar ao esterco neoclássico,
ao polígono sem arestas.

Alguns como a pretenciosa argila...
Acabam em cacos!!!


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Elocubrações - 11/02/04


Inauguro aqui, minha hipocrisia.
Uma exposição medíocre de constantes
repetições do óbvio.

Minha dúvida covarde estampada em
velaturas e parangoles quase imaculados.
Meu fígado, todos os dias devorado pelo
mesmo corvo não permite que eu use minhas
asas de cera já derretidas por um tribunal
eclesiástico que se julga dono do ser.


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Conspiração - 04/03/04


Conspiram em prosa noites intermináveis...
A objetiva recorta vazios cuja narrativa inexiste.
Indecifráveis imagens de solidão...
Transporte imaculado de idéias.

Trago em precipitações negras
a pretensão da aurora.
A mortalha da noiva, confeccionada
pelo demônio, estupra a virgem que cheira vinho.


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Olhos - 10/02/04


Fecho agora estes olhos malditos.
Olhos que viram demais e mesmo assim,
não viram nada.

Olhos que me roubaram a melhor
época da minha existência,
que me traíram através de longos invernos.

Olhos que só enxergam o que não quero ver.
Sou cúmplice desses olhos que transcendem a visão,
obscurecem minha voz, esfriam meu almoço.

Olhos opacos, baixos e vermelhos mas nunca espelhos...
Ainda assim, olhos que amo.


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Lágrimas - 10/02/04


Eis aqui lágrimas que salgam a solidão,
que caem para sempre sem nunca chegar ao fundo.
Lágrimas com gosto de sangue sujo vinda de uma criança
cujos olhos santos ascendem a mais sórdida verdade.

Lágrimas cancerígenas que ao se
misturarem ao mar contaminam cada ser.
Eis aqui lágrimas de ódio, descaso.
Eis aqui as últimas lágrimas a cairem pra sempre.

Lágrimas que me afogam.


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Se Ainda Se Lembrar De Mim - 1:52 - 25/06/08


Aos nobres, que bebam o que resta de um velho corpo novo.
Aos pobres, que sequestrem minha libido sob a custódia da aurora prometida.
Que esta breguice neo barroca maquie-me eternamente em meu leito úmido
e me poupe da eternidade hipócrita, herança eclesiástica pueril.

Estarei sempre entre os infiéis... A crença é o eterno lar da corrupção.
Escrevo feito amador em linhas de eras consagradas...
Pretensão que garantirá meu anonimato por entre os séculos
e consagrará minha existência em fígados moribundos.

Ao ter certeza que nunca existi, me terá sempre em seu ventre,
Ao questionar a autoria de tais impropérios, me terá presente entre suas coxas.
Ao me perdoar, me transformará em seu pior pesadelo.
Ao me matar, enfim, permitirá habitar eternamente seu coração.

Permanecerei morto, frio e pálido...
Nunca ressuscitarei, ou das cinzas ressurgirei...
Justamente por isso que irá me odiar.
Justamente por isso que me amarás.


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70 Toneladas De Vida - 03:09 - 31/01/2008


Choro em silêncio...

Escondo lágrimas entre a falta de interesse do mundo e tantas frustrações...

Pesa a vida dentro de roupas,
Dentro de carros... De caminhos nunca decorados...
Pesa a vida até nos momentos mais felizes...
Na minha mais profunda ingratidão...
Tanto os que amo quanto os que não...
Pesa a vida entre goles e alcatrão...

Vícios de outrora entre braços que amei...
Versos q perdi ou que cantei...
Espalho as horas roubando um momento ou dois.
E então me pesa a vida agora e depois.

Dentre um mundo inteiro, uma única voz...
Paciência para me apresentar entre percalços uma saída.
Aquieta e acalenta nervosas noites a sós...
Me ajuda a carregar setenta toneladas de vida.


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Estupro - 09/03


Profundas reflexões cheias de perguntas.
Questões carregadas com o ódio
Que rege uma aliança monárquica entre
O frio da lâmina e o calor das vísceras.

Quase que uma relação de amor...
Um ímpeto incontrolável, passional.
Impulsionado pela curiosidade dos perversos,
O estupro... A libertação... A culpa!

Mentira! Não sentes culpa.
Nem pela morte, muito menos pelo estupro.
Ó insaciável ser... Queres mais não é?

Ser Racional puritano, putrefato.

Gostas da dor.
Vejo através da sua gravata, do seu ordenado...
Da sua crença que lhe consome como um câncer,
Da sua vida que não passa de úlcera!


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Orgânico – 07/04/06


Tijolos, cova rasa desprovida de pretensão.
Cimento, epitáfio eternizado pela areia,
Unidade egoísta de uma estrutura calcária antiga.

As últimas reservas de esperança residem
Entre as fibras do tecido mais superficial,
Universo promíscuo debaixo das unhas roídas da burguesa mutante.

Espessa placenta inteligível... abriga a erva daninha embrionária...
Sedenta pelo erotismo visceral absorvendo cada afresco que torna o ventre
O famigerado casulo sagrado.

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Fechado Para Balanço - 2006/2007


Talvez uma das piores formas de morrer, seja aos poucos...
Dia após dia, sem nenhuma doença grave... de modo a tornar o processo menos apoteótico.
Muito pra mudar, muito q deveria ter sido mudado...
Muito que deveria ter sido dito e mais ainda que deveria permanecer em silencio...

A dignidade se mostra longínqua quando a batalha é diária...
Como em qualquer guerra, não há glória ou glamour para os combatentes em terra...
O tempo passa e desgasta a vontade... Os aliados são poucos porém significativos...
É apenas por eles que a repetição diária continua...

Os pedidos de socorro são abafados pelo medo...
A Solidão é o mais amargo dos remédios...
Soldados não tem o direito de amar...
E a carência rasga a madrugada confundindo o moribundo

A vontade de partir vem mais forte junto com os anos...
Resistir é cada vez menos atraente...
Minguam os esforços...
Tristeza queima
Como


fogo...

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Inverno – 17/04/06


Demônio sem identidade,
Passagem só de ida para o longilíneo mal estar.
Nasço ano após ano bebendo da fraqueza alheia.
Placebo vespertino, vago pelo nada em passos largos.

Espalho por entre fios, segredos que só dizem respeito
Á países mentais inabitados.
Cálice de cólera compõe a prataria antiga.
O medo é a eterna casca invisível que apodrece o fruto ainda verde.

A esquina atemporal, desvela a cada minuto uma nova razão para enlouquecer.
Vício obsessivo pelo eterno ciúme cancerígeno.
O altar é a glória gelada para os que temem amar!


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Observador - 31-05-04


São cinco horas. Através de opacas lacunas elípticas, a beleza cinzenta de junho invade o casulo vazio e traz consigo lembranças que desconheço mas que de alguma forma me confortam.

Por que será que essa garoa fina insiste em procurar um solo que já não reside aqui a tantas décadas? Eu sei que você tem essa resposta... Aliás, você possui todas as respostas... só não quer compartilhá-las comigo. Continua afirmando não saber... assim como os outros...

Já são seis horas... o cinza começa a morrer, de forma lenta, definhando no silêncio ensurdecedor do invólucro. Ainda não consigo decifrar os seus olhos... tem alguma coisa neles... Daqui eu não enxergo... Talvez eu precise chegar um pouco mais perto... Mas como? Diga-me como?! Só você pode me dizer isso...
Passam das seis e vinte... Uma massa de ar cortante e seca me presenteia com a morte da paisagem vespertina. Ainda há uma tentativa de resgatar às horas não há? Já me bastaria, saber que pelo menos por um único segundo, passou pelas suas idéias compreender meu lado passional.

Finalmente são oito em ponto. Estou no meio da multidão... Ouço às vozes, às buzinas, os ruídos dos sapatos na calçada e as portas batendo... Estou paralisado... Sem ação... Às noites para os que habitam o casulo, parecem eternas...


Permaneço acordado...
Estou sozinho...

De novo.

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Silenciosa - 2001/2002


A Sé movimenta-se em silêncio...
Cadência finita, percepção tendenciosa.
Caem por terra os últimos pensamentos sãos.
Lágrimas desbravam os vales virgens da face.


Tabaco... Fumaça que se enche de espaço.
Altas doses de solidão em cada tragada.
A madrugada anuncia a eterna pausa das horas.
Concreto grita em alguma língua extinta.


Trevas tingem noites em claro.

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Casa - 2003


Bem vindo a minha casa, sinta-se a vontade.

Aqui os pervertidos estupram o espaço,

Os mortos desfrutam do tempo e o obsoleto

Alimenta-se junto aos vermes.


Seja gentil, aceite o absinto servido pelo funesto.

Aqueça-se com a mortalha oferecida pela mão cujos dedos

Leprosos temperam o sentimento de conforto que o abismo

Lhe proporciona.


Agora sim... Estás em casa.

Esta que sempre tomei como minha...

SEMPRE foi sua.



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